"NASCI ANTES DO TEMPO"
Tudo que criei e defendi
nunca deu certo
Nem foi aceito
E eu perguntava a mim mesma
Por quê?
Quando menina,
ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim
acontecia a alguém:
fulano nasceu antes do tempo.
Guardei.
Tudo que criei, imaginei e defendi
nunca foi feito
E eu dizia como ouvia
a moda de consolo:
nasci antes do tempo.
Alguém me retrucou:
você nasceria sempre
antes do seu tempo.
Não entendi e disse Amém.
Cora Coralina
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Meu pequeno dente de leão
Estava um dia gostoso de sol, qualquer desses tão quente, que você se pega imaginando que está na praia...Mas como eu estava no trabalho, o máximo que fiz foi sair na rua para fumar um cigarro.
Escolhi o lugar, havia um banquinho, soprava uma brisa gostosa, me acomodei, acendi meu cigarro e então observei ao redor, reparei que de canto havia um dente de leão, que eu costumava muito soprar quando era criança, e como eu me divertia vendo cada "algodãozinho" branco dele voar... E eu fiquei paralizada naquela planta, enquanto me lembrei do cheiro do feijão que minha mãe cozinhava, eu devia ter uns 9 anos, época maravilhosa.
A infância é um mundo mágico, feito sob as medidas e parâmetros de certa idade, assim...tão bem limitada que hoje quando me recordo, já nem consigo mais entender como é ter aquelas sensações: era encher os bolsos de balas, sentar em frente à televisão, mastigá-las uma a uma em frações de segundos, sem culpa, sem contagem de calorias, sem preocupação com o dentista e as cáries; era minha conversa sincera com as minhas bonecas, me lembro até hoje, eu como boa mãe aconselhando minha Barbie a não namorar: "Você é muito nova, minha filha" eu dizia...e todos os sonhos...já quis ser médica, jogadora de futebol, miss, astronauta...vender limonada em uma barraca...e é impressionante como tudo parecia possível!
Me recordo das férias escolares, as brincadeiras de rua: taco, pega-pega, esconde-esconde, duro ou mole, enquanto jurava amizades eternas...promessas tão curtas que somente crianças são capazes de cumpri-las; o retorno às aulas, à escola! Me lembro da lição de casa: a eterna tabuada, gêneros, números, graus, divisão com dois números na "casinha", e eu achando que esse seria o maior problema que eu enfrentaria na minha vida....a ilusão costuma ser doce, quando é resultado da falta de conhecimento e experiências!
Me vêm à memória meus pais, e quando ainda éramos uma família, os almoços, abraços, passeios, conversas....Meu pai dizendo: "Não deixe a toalha molhada em cima da cama, menina!"... e como eu ficava brava, afinal não queria ser tratada como uma criança, como sempre: irônico!
Contudo me lembro principalmente da felicidade...simples, aquela totalmente descaracterizada de tudo que for material que você possa imaginar: me bastava muitas vezes correr, eu era meu próprio automóvel, meu próprio foguete; sorrir, e eu sorria alto, gesticulava, apertava a barriga como quem sente até dor de tanto rir, deitva no chão, me entregava; e nada como um banho de mangueira, eu quase me afogava de tantas vezes que colocava a mangueira com a água jorrando bem no meu rosto...
Então perdida em tantos pensamentos, ouço: "Mari!", voltei a mim, era o Cleiton, o outro inspetor de alunos, me chamando, vindo pelo corredor que ia de encontro ao banco onde eu estava. Ele parou na minha frente como se fosse dizer algo, mas também avistou aquela mesma plantinha que por alguns minutos, me fez ir tão longe, sem ao menos ter dado um único passo...e ele foi em direção a ela e pisou nela tão rápido, que não tive sequer tempo para esboçar uma reação...naquele momento fiquei triste, todo aquele universo de nostalgias havia se desmoronado na minha frente...
Ele se desculpou, eu me expliquei, afinal ele teria que entender o total apego sem sentido a uma flor que passaria tão despercecbida...então me dei conta que talvez o "pisar nela" também o remetesse à infância, olhei bem para o Cleiton: ali tão adulto, casado, cheio de responsabilidades, em um único momento que ele se permitiu ser inconsequente...inconsequencia merecida!
Só que não dava mais tempo para nada: o sinal tocou, troca de aula, alunos "cabulando", eu e o Cleiton voltamos a nossa rotina, nosso cotidiano, como sempre apressados e andando pelo corredor. Tive então a certeza de que jamais teríamos a inôcencia daquelas mesmas crianças que um dia nós dois já fomos....
Dedico essa crônica à Angela, à Marli, à Karina, à Váleria e em especial ao Cleiton, que um dia foram crianças como eu, e que hoje me ajudam tão bem a cuidar de outras crianças!